Quando lancei meu primeiro livro, comecei a escrever mensalmente essa newsletter sobre aprendizado ao longo da vida. O nome – lifelong learners – era uma referência direta à obra.
Agora, já na fase final do próximo livro, resolvi retomar a news com uma novidade: rebatiza-lá de lifewide learners. A mudança de nome é um semi-spoiler do que vem por aí. Espero que vocês gostem.
“O que você aprendeu nos últimos 12 meses?”
Estou acostumado com essa pergunta. Em 2011, iniciei conversas com 47 pessoas justamente com esse questionamento. Ele fazia parte do protocolo que utilizei no meu doutorado para pesquisar aprendizado autodirigido.
Cada entrevistado respondeu do seu jeito, mas, de uma maneira geral, as pessoas se encaixavam em dois grupos: as que ficavam quietas, olhavam para cima e não sabiam como começar a responder; e as que saíam falando loucamente. Desde a conclusão da minha tese, tenho o hábito de fazer essa pergunta para mim mesmo no final do ano, aproveitando essa vírgula temporal que o calendário nos oferece.
Esse ano resolvi responder a essa pergunta por meio deste artigo. Uma das minhas motivações foi o fato de que estou tão na correria com projetos, clientes e a escrita do novo livro que achei que, sem me colocar um compromisso público, passaria o ano sem fazer essa reflexão que prezo tanto. Além disso, pensei que uma escrita mais aberta e vulnerável poderia inspirar outras pessoas a fazerem o mesmo.
Passei 2024 pesquisando e escrevendo sobre aprendizado incidental, aquele que ocorre como subproduto da vida que você escolhe viver. Naturalmente, tenho olhado muito mais para as minhas próprias escolhas e, como consequência, questionado boa parte delas.
Um dos caminhos que escolhi para esse processo de reflexão foi a escrita de um learning journal, um diário de aprendizado. A cada semana sento e escrevo, à mão, alguns aprendizados que foram importantes para mim. Não tento ser preciso, completo ou mesmo coerente. O objetivo é realizar a escrita – que não imagino ter serventia para mais ninguém – como uma forma de processamento das minhas experiências.
O processo tem sido muito bom, quase terapêutico. Este artigo é uma forma simples de compartilhar um resumo dos meus pensamentos sobre meu ano.
1. Tempo é o aspecto que mais tem impacto na minha qualidade de vida. Em especial, a alocação de tempo. O mundo do trabalho pós-pandemia trouxe essa prática odiosa de reuniões sobrepostas que ocupam 80% da nossa agenda.
Um dia identifiquei a alegria que estava sentindo a partir do cancelamento de uma reunião (de duas horas, ainda por cima!). Que atire a primeira pedra quem nunca sentiu uma onda de felicidade preenchendo sua alma com um cancelamento de última hora. Como uma forma de proteger meu dia, desenvolvi o hábito de não desmarcar reuniões que já sei que não vão ocorrer. Essa reserva de tempo pode ser utilizada para diversas atividades, inclusive para não fazer nada. Além disso, aumentaram meus bloqueios de tempo para escrever e ler.
2. Sou viciado nos estímulos das redes sociais. Já deletei aplicativos, coloquei tempo de uso, durmo com o celular desligado… Mesmo com todas essas práticas, após um dia puxado, posts e reels funcionam como uma chupeta para acalmar meu cérebro e anestesiar o cansaço e frustração de um dia com poucos estímulos interessantes.
Em 2024 busquei algumas alternativas e, como consequência, foi um dos anos que mais li na vida. Meu processo começou com uma boa curadoria de artigos e de livros de ficção (obrigado Carol Messias). A partir daí, confio no prazer da leitura a cada vez que a necessidade de dar uma “scrollada” aparece (e ela sempre aparece). Esse é um caminho que recomendo: retomar o prazer pela leitura. Funciona melhor que um chiclete de nicotina, que só engana o cérebro do vício real. Ler nos ajuda a pensar, escrever e aprender melhor.
3. “Onde está a música na minha vida?” Essa foi uma das entradas no meu diário de aprendizagem esse ano. Na dedicação com o crescimento da nōvi e com a escrita do novo livro, parei de ter aula de baixo. No carro, as playlists musicais foram substituídas pela leitura automatizada de artigos e pelos audiolivros. É o conceito da produtividade a qualquer custo aplicada ao lifelong learning. Tocar um instrumento, para mim, é o equivalente a meditar. Posso passar horas com um fone de ouvido aprendendo uma música nova ou fazendo exercícios de técnicas. Me recarrega. E, para dar conta da minha vida, em 2024 posso contar nas mãos os dias que peguei no baixo.
Os dois primeiros itens desta carta explicam boa parte do meu distanciamento não intencional. Recentemente, segui as dicas de James Clear, no livro Hábitos atômicos, e coloquei meu instrumento mais perto da minha mesa do escritório, pronto para ser tocado. Tem funcionado melhor. Que o ano que vem seja mais musical para mim.
4. Aprender é evoluir e substituir criações antigas. Quando abrimos a nōvi, iniciamos a atuação em um campo – Cultura de Aprendizagem – no qual havia poucos cases, ferramentas e exemplos conceituais estruturados. Como resultado, estudamos o que existia – Peter Senge, Nigel Pane, Jane Hart e outros – e criamos nossas próprias teorias e ferramentas para apoiar empresas e times.
Passados cinco anos, pude me distanciar e acompanhar o processo evolutivo do nosso método. Esse foi um ano de consolidar o processo para a construção de ecossistemas que organizam as práticas de aprendizagem formais, estimulam a autonomia dos aprendizes e reconhecem o aprendizado informal. No caminho, me peguei questionando criações antigas e substituindo algumas crenças. Foi ótimo ver essa evolução acontecendo de maneira natural.
Estou terminando esse ano me recuperando de uma cirurgia de ruptura total do tendão de Aquiles. O nome dessa lesão vem da mitologia grega, de um combatente da guerra de Tróia. Filho de um ninfa e de um mortal, Aquiles foi banhado nas águas do rio Estige, pela sua mãe, na busca de uma suposta invulnerabilidade. Durante o banho, contudo, sua mãe o segurou pelo calcanhar, mantendo essa área exposta e vulnerável. Aquiles morreu com uma flechada nessa região.
A recuperação de uma cirurgia como a que fiz demanda, acima de tudo, paciência. Seis semanas sem colocar o pé no chão e seis meses até o retorno completo. Muita fisioterapia, reaprendizado e dor no processo. Não consigo deixar de ver o incidente como um daqueles toques que a vida dá. Não está sendo fácil, mas talvez seja bom entender o estado vulnerável que me acometeu estampado de maneira tão clara junto com um convite para parar um pouco e repensar as direções de minha caminhada.
Enfim, tenho que agradecer a 2024. Tratou bem minha família, meus parceiros na nōvi e, de quebra, me permitiu aprendizados como os que descrevi acima. Foram dezenas de projetos e quase uma centena de palestras. Estou terminando o livro novo.
Para mim é importante, principalmente, reconhecer e agradecer os privilégios que tenho por ter tempo, capacidade e disposição para aprender e crescer. O tempo todo.
Gracias!
CEP+R
→ Conteúdo
Dicas de conteúdos, ferramentas e maneiras interessantes de integrar novos conhecimentos aos seus.
Bem-vindos à livraria Hyunam-dong, de Hwang Bo-Reum. A narrativa, que a princípio pode ter um ritmo mais lento, recompensa a persistência do leitor com reflexões profundas e sensíveis. É uma obra que convida a repensar não apenas nossa conexão com os livros, mas também nossa relação com o ambiente profissional, tecendo uma trama que conecta esses dois aspectos fundamentais da vida moderna de forma delicada e potente.
→ Experiência
Caminhos interessantes para ganhar repertório e praticar o seu aprendizado.
Como uma galeria virtual, o Horizonte Geral ultrapassa os limites tradicionais de exposição artística. É um espaço em que diferentes formas de expressão – sejam palavras, gestos ou olhares – encontram seu lugar de manifestação. É aquilo: às vezes você nem precisa sair de casa para ter uma experiência interessante.
→ Pessoa
Outros seres humanos com quem temos muito a aprender.
A trajetória de Tamara Klink exemplifica uma combinação única de aventura e capacidade comunicativa – ela consegue traduzir experiências marítimas em lições de vida que vão muito além do óbvio. Por meio de suas obras "Nós" e "NÃO ENTENDI", assim como suas palestras realizadas a bordo de seu próprio barco, ela demonstra uma habilidade extraordinária de se conectar com seu público, compartilhando sua visão de mundo que me deixa encantado. Fiquei superfeliz com o fato de ela ter estourado nos últimos meses, ela é sem dúvida uma voz que contribui positivamente para o diálogo global.
→ Rede
Como aprender e ampliar sua visão de mundo a partir de outros olhares.
Minha sugestão é que você crie sua própria rede, com foco em leitura – um grupo em cada um escolhe seu próprio livro ou todos mergulham juntos na mesma obra. O importante é manter o compromisso uns com os outros. Acredito que essa conexão por meio da leitura pode ajudar a manter o ritmo e a motivação. Ler sozinho pode ser desafiador, mas, quando você compartilha esse compromisso com outras pessoas, a energia é totalmente diferente.