Lifelong Learners #1 - aprendizagem sem atalhos
Uma publicação quinzenal com reflexões derivadas do meu livro Lifelong Learners, o poder do aprendizado contínuo.
Esta newsletter é um projeto antigo: compartilhar, de maneira (mais ou menos) estruturada algumas coisas legais que encontro em meu caminho de aprendiz. Ela está dividida em duas partes - um artigo maior no início e depois uma sessão chamada CEP+R, com referências interessantes para o seu aprendizado.
Espero que você se divirta.
Explorar o mundo
Há alguns dias, minha irmã Moema me indicou um episódio do podcast The Ezra Klein Show, produzido pelo jornalista e cineasta que dá nome ao programa. Ezra é um cara super interessante e responsável, entre outras coisas, pela série Explained, realizada em conjunto com a Netflix e a Vox Media.
O episódio, de título “Por que os adultos perdem a mentalidade de iniciante?”, é um bate-papo com Alison Gopnik, pesquisadora e professora de Psicologia na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Alison é especializada sobretudo em desenvolvimento infantil, mas como o título do podcast se referia à aprendizagem de adultos, resolvi experimentar - e não me arrependo nem um pouco.
Esse é um daqueles conteúdos que não dá para ouvir lavando louça ou caminhando. A quantidade de informações legais e importantes por minuto é gigantesca, então vale a pena consumi-lo com exclusividade e atenção. Foi por causa dele, inclusive, que me deparei com o airr, que explicarei mais abaixo.
Um ponto específico, logo no início, me chamou a atenção. Ao falar sobre a diferença entre crianças e adultos, a pesquisadora utilizou dois termos em inglês - explore e exploit.
A partir do olhar da biologia evolutiva, ela defende que crianças e adultos são duas criaturas distintas. Enquanto nos primeiros anos de vida somos projetados para explore (explorar), quando adultos passamos a exploit (explorar) o mundo. Embora as duas palavras tenham a mesma tradução em português, o significado é totalmente diferente.
Explore, em inglês, tem a ver com a busca por novos conhecimentos, caminhos e possibilidades. Esse é o cérebro infantil. Quanto mais novidade ele conseguir absorver, maior é sua capacidade de interagir com o mundo.
Em paralelo, o termo exploit está ligado à ideia de “tirar proveito de”. Como adultos, buscamos fazer as melhores escolhas possíveis e tomar boas decisões com base nos conhecimentos que adquirimos na etapa anterior. É por isso que nossa espécie tem uma infância/adolescência tão longa; para aprendermos tudo que é importante e, a partir daí, usufruir o mundo com base no conhecimento adquirido.
Existem dois problemas aqui. O primeiro é que esse lógica não funciona mais. O conhecimento adquirido tem que ser renovado sempre. O segundo é que não é possível ter os dois olhares simultaneamente. Por isso, é importante dedicar tempo para os dois, ora buscando novas referências, ora descobrindo o melhor uso para elas.
Tudo isso me fez refletir sobre um movimento que tenho percebido nos últimos tempos: a busca pela otimização constante em todas as esferas da vida. Não é à toa que aplicativos como Evernote e Notion façam tanto sucesso. Ou que a possibilidade de adquirir conhecimentos de forma rápida e efetiva seja um dos principais argumentos de venda dos cursos sendo anunciados atualmente. Ou ainda que a cada hora surja um novo hack, um novo atalho para aqueles que desejam ser mais produtivos e eficientes no trabalho, na aprendizagem ou até na própria vida.
Esse insight me deu uma baqueada. Será que o exploit ganhou a batalha da aprendizagem ao longo da vida? Será que escutar podcasts em velocidade duplicada e ter metas mensais de leitura serão os novos certificados que comprovarão nossa capacidade e conhecimento?
É possível que para o mercado, sim. Mas não para o seu cérebro.
Pesquisas recentes mostram que, para aprender de verdade, precisamos de tempo. Se o processo for fácil demais, provavelmente o aprendizado não será profundo o suficiente. Lembro sempre de quando fui contar para minha orientadora de doutorado que ia fazer um curso de leitura dinâmica. Ela só olhou pra mim e disse: “Se você se deparar com qualquer material que possa ser lido em velocidade acelerada, é sinal de que não vai servir para sua pesquisa".
Há anos (décadas?) busco conhecer e melhorar meu processo de aprendizado ao longo da vida. Esse artigo foi uma forma de refletir e tentar estruturar um pouco mais esse método, que vive em constante mutação. Compartilho a seguir algumas das estratégias que têm me ajudado (e que, curiosamente, bebem tanto do explore, quanto do exploit):
→ Olhar para dentro e entender o que faz sentido aprender a cada momento da minha vida.
→ Olhar para fora constantemente, sem grandes objetivos ou pretensões, abrindo espaço para que o acaso me traga referências novas e interessantes .
→ Organizar meus conteúdos, projetos e conversas de maneira que o acesso a eles seja fácil.
→ Utilizar a constância como o principal indicador do meu progresso. É mais importante aprender sempre do que rapidamente.
→ Entender o prazer como um indicador importante do quanto aquele aprendizado faz sentido para mim ou não (obs: isso não significa que aprender tenha que ser fácil. Muitas vezes, o desafio de ler e entender um texto complexo pode ser uma enorme fonte de alegria).
Portanto, acho que vale um ponto de atenção se suas metas estão muito relacionadas à produtividade e ao ganho de novas informações. Frequência, curiosidade, hábito e significado farão melhor para o seu aprendizado do que descobrir métodos infalíveis de leitura dinâmica.
PS: Ao longo das newsletters, apontarei para uma série de conteúdos em inglês. Se você tem mais facilidade em ler em português ou outro idioma, abuse das diversas ferramentas de tradução disponíveis. O podcast que menciono no artigo acima, por exemplo, tem todo o conteúdo por escrito. Fiz o teste com o tradutor de páginas do Google Chrome e o resultado foi excelente. A única questão, como coloquei no texto, é que exploit e explore vêm traduzidos como explorar, mas acho que depois de ler essa news vai ficar mais fácil você entender o que cada um quer dizer.
CEP+R
→ Conteúdo
Dicas de conteúdos, ferramentas e maneiras interessantes de integrar novos conhecimentos aos seus.
Humanismo Extremo
Tom Peters talvez seja um dos únicos professores / autores na área de negócios que realmente mereçam o título de guru. Seu livro “Em Busca da Excelência", escrito a partir de pesquisas com dezenas de empresas, é considerado por muitos o melhor livro de Business da história.
Depois desse, escreveu outros 17 que, segundo ele, são deliberadamente repetitivos, reforçando conceitos simples e poderosos como “cuide das pessoas" e “crie produtos e serviços que ajudem indivíduos e sociedade”. Para ele, excelência não é apenas uma aspiração, mas uma forma de viver a vida.
Seu novo livro, “Excellence Now: Extreme Humanism”, foi escrito durante a pandemia e traz uma mensagem principal: o modelo industrial (e sua consequente forma de enxergar o mundo) não funciona mais. Para Peters, existem dois tipos de empresa e de liderança: aquelas que agem com compaixão e cuidado e aquelas que focam apenas na eficiência e maximização da produção.
Sua tese é que excelência não é algo que se limita aos resultados da organização e sim algo que deve ser refletido em cada passo que ela dá.
Gestos humanos, atenciosos, carinhos e inclusivos em relação aos membros de nossa equipe, nossas comunidades e nossos clientes devem se tornar nosso pão com manteiga e arroz com feijão. Eles não são "parte de nós". Eles somos nós.”
O livro deve ser lançado logo em português, mas por enquanto você pode assistir a diversos vídeos dele (Recomendo este) e colocar a tradução automática. Se tiver dúvida de como fazer isso, dá uma olhada aqui.
Como tomar notas e destacar trechos no podcast sem perder o flow.
O podcast é uma das minha principais formas de aprendizagem, mas volta e meia tenho um problema. Escuto um pedaço que me gerou um super insight e não sei muito bem o que fazer, especialmente se eu tiver andando ou no carro. Minha estratégia antigamente era bem tosca: eu tirava uma foto da tela do celular, marcando o momento que tinha considerado importante. Ao longo do tempo percebi que fazia isso mais por desespero, uma vez que o método em si é bem pouco eficiente (e boa parte das vezes não volto para ver as fotos).
Recentemente, me deparei com um app que resolve essa questão: o airr traz a funcionalidade de marcar, comentar e retomar as melhores partes do podcast que você está ouvindo. Quando o áudio é em inglês, ele ainda cria uma transcrição automática. Só tem um problema: por enquanto, funciona apenas para iOS. Para usuários de Android, existe o NoteCast, com funções semelhantes.
→ Experiência
Caminhos interessantes para ganhar repertório e praticar o seu aprendizado.
Olha meu desenho!
Vivenciar a prática é a etapa mais importante de qualquer processo de desenvolvimento e, frequentemente, a menos experimentada. Por isso, a cada newsletter, compartilharei algumas experiências para você se desafiar, começando por um desafio próprio.
Eu sempre quis desenhar, mas nunca foi algo fácil pra mim. Morro de inveja do Austin Kleon, autor do livro Roube como um Artista, e sua capacidade de transmitir ideias complexas de forma visual e simples. Minha esposa, por sua vez, é ótima nisso e se propôs a me ajudar. Por isso, a cada news, vou mostrar o meu progresso nesse percurso de aprender a desenhar. A ideia é que sirva como um lembrete - para mim e para você - de que sempre somos capazes de aprender e melhorar, independente de qualquer habilidade inata.
Tive a primeira aula. Meu desafio foi fazer círculos e desenhar um cilindro. Sejam gentis.
Ah, e se você também quiser se aventurar no seu próprio percurso artístico de aprendizagem, recomendo esse curso de colagem com a Sofia Lemos na Casa Tombada e o perfil @stillherestilllife que, a cada semana, publica um desafio diferente.
→ Pessoas + Redes
Como aprender e ampliar sua uma visão de mundo a partir de outros olhares.
Swiss Miss (ou Tina Roth Eisenberg)
Conheci a Tina Roth, em 2016, em um evento chamado 99U. Fiquei encantado com sua simplicidade, criatividade e carisma.
Falo dela aqui por dois motivos. Em primeiro lugar, por seu blog swiss miss, origem de seu apelido, onde ela publica desde 2005 uma curadoria incrível e despretensiosa de coisas interessantes na Internet, como obras de arte, aplicativos, conteúdos sobre design e até vídeos muito loucos de patinação. É uma ótima forma de desenvolver o olhar lifewide, obtendo repertório e abrindo a cabeça a partir de referências não óbvias.
Além disso, ela é criadora do Creative Mornings, que promove eventos gratuitos ao redor do mundo em um formato simples e poderoso: um café da manhã combinado com uma palestra interessante com o objetivo de promover e celebrar a criatividade que existe em todos nós. Algumas cidades no Brasil já realizam esse tipo de evento há algum tempo. Dá uma olhada no site.
Instagram @swissmiss Twitter @swissmiss
A Lifelong Learners foi criada por mim, com edição de Mariana Jatahy e design de Katherine De Franco.
Se você conhece alguém que possa se interessar, compartilhe.
Sensacional. Obrigado por compartilhar um texto tão generoso e inspirador.
Excelente conteúdo! Parabéns!