Lifelong learners #2 - Aprendizado em três tempos
Uma publicação quinzenal (?) com reflexões derivadas do meu livro Lifelong Learners, o poder do aprendizado contínuo.
Esta newsletter é um projeto antigo: compartilhar, de maneira (mais ou menos) estruturada algumas coisas legais que encontro em meu caminho de aprendiz. Ela está dividida em duas partes - um artigo maior no início e depois uma sessão chamada CEP+R, com referências interessantes para o seu aprendizado.
Espero que você se divirta.
Aprenda dormindo
Vejo muita gente divulgar nas redes sociais uma meta anual de leitura de livros. Nada contra a prática de comprometer-se publicamente a aprender alguma coisa. Inclusive, esse é um hábito bastante reconhecido e recomendado, que funciona como um estímulo extra naqueles momentos de preguiça ou distração.
Mas será que o número de livros lidos por ano é a melhor forma de avaliar o próprio aprendizado? Seria essa a melhor métrica?
Não faço ideia de quantos livros leio. São muitos os que passam pela minha vida a cada ano, mas não sei muito bem como fazer essa conta. Por exemplo: posso considerar como lida uma obra que impactou minha forma de enxergar e interagir com o mundo, mas da qual li apenas algumas páginas? O que vale mais: a transformação gerada ou o “check” dado na lista? Além disso, essa lógica não considera a enorme diversidade de fontes existentes como blogs, artigos científicos, reports e podcasts, que, diga-se de passagem, correspondem a boa parte do conteúdo que consumo. Será que então a minha meta de aprendizagem deveria ser em caracteres?
Ironias à parte, quero deixar claro: acho excelente a prática consciente e contínua da leitura - aliás, o hábito de ler constantemente é uma das características dos aprendizes ao longo da vida. Mas do que adianta colocar tanta informação para dentro se não tivermos tempo para colocar o conhecimento em prática e refletir sobre o que aprendemos?
Se o objetivo por trás desse comprometimento público for produtividade, trago boas notícias: você pode aprender 24 horas por dia - inclusive dormindo. Isso porque, de maneira geral, é possível dividir o aprendizado em três grandes momentos.
O primeiro deles é o aprendizado intencional, aquele onde você separa tempo na agenda especificamente com esse objetivo. Pode ser para ler um livro, para conversar com alguém mais experiente em determinada área ou mesmo para praticar uma habilidade que você queira desenvolver. O fundamental é fazer isso de forma contínua e disciplinada.
O segundo é o aprendizado informal, que acontece fora dos limites da sala de aula ou da tela do computador, quando não estamos buscando aprender. Esse tipo de aprendizado, também chamado de incidental ou casual, corresponde a boa parte do nosso desenvolvimento. Segundo Victoria Marsick e Karen Watking, duas pesquisadoras norte-americanas que venho acompanhando há algum tempo, este tipo de aprendizado é um subproduto não intencional de outra atividade qualquer.
O que me chama atenção neste tipo de aprendizado é que, curiosamente, justamente pelo fato de ser incidental, ele acaba nos exigindo um nível mais alto de intencionalidade para ser percebido e “capturado”. Desenvolver essa capacidade, a meu ver, é um divisor de águas na vida de um lifelong learner.
O terceiro e fundamental momento do aprendizado é o descanso. Mais especificamente, o sono. Jakke Temminen, pesquisador na Universidade de Londres, já realizou diversos estudos no assunto, demonstrando o impacto positivo que boas horas de sono têm em nossa capacidade de aprender. No entanto, não é apenas uma questão de horas dormidas - a qualidade do descanso é fundamental. Em um artigo recente, ele descobriu que, embora estejamos dormindo mais durante a pandemia, estamos dormindo pior e, consequentemente, aprendendo menos.
Ou seja, se você está em busca de um learning hack que realmente funcione, siga este: descanse mais. Experimente fazer coisas “não produtivas” - ou, melhor: experimente não fazer nada.
CEP+R
→ Conteúdo
Dicas de conteúdos, ferramentas e maneiras interessantes de integrar novos conhecimentos aos seus.
O Pocket não é bem um lançamento pois existe desde 2007, mas me ajuda tanto no consumo de conteúdo on-line que decidi compartilhar. O app é um organizador de referências que funciona meio como um Pinterest, só que para textos.
O processo é simples: quando encontro um artigo que desperta minha curiosidade, em vez de deixar em uma das minhas milhares de abas abertas (e nunca mais voltar pra ler), salvo o link usando a opção “enviar para” do celular ou com uma extensão do Chrome no computador.
Mais do que uma lista de links, o Pocket deixa o conteúdo disponível off-line e em modo leitura (sem propaganda para atrapalhar seu foco). Além disso, ele traz algumas funcionalidades que me ajudam bastante, como uma estimativa do tempo de leitura (essencial na hora de avaliar se invisto meus próximos 8 minutos lendo algo de qualidade ou scrollando infinitamente alguma rede social) e a possibilidade de sublinhar as partes mais interessantes do texto. Ele também tem uma conversão de texto para voz impressionantemente boa.
A versão paga, Pocket Premium, traz ainda a possibilidade de sublinhar uma quantidade ilimitada de conteúdo e a opção de organizar o conteúdo por tags, além de ter uma busca mais potente.
→ Experiência
Caminhos interessantes para ganhar repertório e praticar o seu aprendizado.
Na semana passada, fui visitar a Pina Estação, uma extensão da Pinacoteca de São Paulo que fica do lado da Sala São Paulo, em um prédio lindo que continha armazéns e escritórios da Estrada de Ferro Sorocabana. Fazia bastante tempo que não ia a um museu, especialmente com meus filhos, e confesso que fiquei muito bem impressionado. A experiência foi ótima e segura. Embora a entrada seja gratuita, é preciso adquirir o ingresso antecipadamente para garantir o controle do número de pessoas visitando ao mesmo tempo.
Como falei no artigo inicial, acho incrível como a cultura tem o poder de ajudar nosso cérebro a se oxigenar - sobretudo no momento em que vivemos, de sobrecarga de informação e estímulos. Parar e sentir uma obra, sem grandes abstrações intelectuais, ajuda muito o nosso equilíbrio, especialmente se conseguirmos manter o foco mais no vivenciar do que no analisar.
Fomos para ver uma exposição chamada José Damasceno-Moto-Contínuo, e a descrição do curador, José Augusto Ribeiro, traduziu bem minha sensação: “os trabalhos de Damasceno parecem vibrar, insinuam movimentações que são de propagação, deslocamento e metamorfose, embora sejam sempre estáticos”.
Museus do Brasil todo estão reabrindo. Para saber o que já está funcionando na sua região, existe um site chamado MuseusBR que tem informações bem completas de todo o Brasil.
Olha meu desenho!
Vivenciar a prática é a etapa mais importante de qualquer processo de desenvolvimento e, frequentemente, a menos experimentada. Por isso, a cada newsletter, vou mostrar o meu progresso nesse percurso de aprender a desenhar com a ajuda da minha esposa. A ideia é que sirva como um lembrete - para mim e para você - de que sempre somos capazes de aprender e melhorar, independente de qualquer habilidade inata.
Não posso dizer que tenho me dedicado como gostaria no meu desenvolvimento do desenho, mas compartilho aqui um exercício (que achei difícil demais!): fazer desenhos de objetos de ponta cabeça. Espero ter resultados mais palpáveis na próxima news.
→ Pessoas + Redes
Como aprender e ampliar sua uma visão de mundo a partir de outros olhares.
Depois da exposição do Damasceno, continuei a visitar o museu e a sincronicidade me colocou frente a frente com Yona Friedman. Senti instantaneamente uma conexão muito forte com este arquiteto húngaro, radicado na França que “dedicou sua vida à criação de uma linguagem universal e acessível sobre os direitos humanos, as questões sociais e a autonomia dos indivíduo”. Para mim, qualquer mecanismo que democratize o acesso ao conhecimento merece ser celebrado. O caminho dele foi brilhante.
Entre as diversas criações arquitetônicas impressionantes tanto pela ousadia como pela simplicidade, me apaixonei mesmo pelos seus quadrinhos. São manuais, como os da imagem acima, de traços e textos quase ingênuos mas que passam mensagens muito poderosas.
Estou aos poucos conhecendo um pouco mais sobre ele. Se você se interessar, tenho duas sugestões: os quadrinhos “o direito de compreender” e o vídeo abaixo - ambos publicados pelo Memorial da Resistência,:
O futuro da aprendizagem é autônomo e coletivo.
Uma das redes mais fortes e inspiradoras de aprendizes autodirigidos no Brasil é o grupo vinculado o MoL - Masters of Learning, iniciativa desenvolvida pelo Alex Bretas. O grupo organizou em junho o Festival Raiz, uma iniciativa coletiva para a disseminação do aprendizado autodirigido. Entre as diversas realizações, destaco o manifesto criado pelo grupo. Olha como começa:
ACREDITAMOS QUE APRENDIZAGEM AUTODIRIGIDA É:
É descobrir e se reencantar pelo mundo com os próprios olhos;
É passado, presente e futuro;
É mentalidade, não é método;
É escuta, mais do que fala;
É potencializar tudo que temos de melhor;
Você pode ver todo o texto aqui.
A Lifelong Learners foi criada por mim, com edição de Mariana Jatahy e design de Katherine De Franco.
Se você conhece alguém que possa se interessar, compartilhe.