Lifelong learners #3 - Aprendizado e vício digital
Uma publicação mensal com reflexões derivadas do meu livro 'Lifelong learners – o poder do aprendizado contínuo'.
Esta newsletter é um projeto que teve início nos primeiros meses do ano passado e tem como objetivo compartilhar, de maneira (mais ou menos) estruturada, algumas coisas legais que encontro em meu caminho de aprendiz.
Em meio à correria de um ano atípico, em 2021 a newsletter teve apenas duas edições. Agora em 2022 fiz um promessa comigo mesmo e teremos edições mensais, sempre com o mesmo carinho e cuidado.
A newsletter está dividida em duas partes: um artigo maior no início e depois uma seção chamada CEP+R, com referências interessantes para o seu aprendizado.
Espero que você se divirta.
Cinco dicas para aprender em tempos de vícios digitais
Cada vez mais, acho que um dos grandes vilões do aprendizado autodirigido é nossa capacidade de alocação de tempo. Não é à toa que cursos e livros sobre gestão do tempo e produtividade – que prometem nos ensinar a não procrastinar – nunca perdem a popularidade.
Eu também vivo esse dilema.
Poderia buscar as causas no home office, no excesso de projetos ou mesmo na vontade de passar mais tempo com minha família. Mas, numa breve análise, identifiquei as verdadeiras vilãs: internet e redes sociais. Adoro o Twitter e navego nas demais redes sociais habitualmente, até para manter uma presença ativa em muitas delas.
Eu poderia dar uma olhada no meu tempo de uso de redes sociais registrado no celular, mas nem foi preciso. De maneira natural, comecei a ter uma sensação de desperdício de tempo, de estar meio empapuçado de não fazer nada muito útil, sabe como é?
Isso acontece até mesmo no Twitter, que considero uma máquina de aprendizado. Se você fica apenas passando seu dedo na tela, lendo 15 posts por minuto, acaba se habituando a tragar inconscientemente conteúdos de 280 caracteres, com pouca conexão entre si: às vezes você dá uma risada, em outras passa raiva e logo na sequência acha um artigo incrível.
Quem me conhece sabe que não sou a pessoa mais organizada ou focada mentalmente. Me apaixono facilmente por novas ideias, às vezes no meio de uma frase. Por mais que esses estímulos multitemáticos aleatórios agradem meu cérebro, do ponto de vista do aprendizado intencional, comecei a sentir falta de foco.
O cansaço tem uma parte importante nisso. A gente acaba indo para um caminho acalentador das redes de ver imagens e filmes divertidos, sem precisar pensar muito. Mas o perigo é que a lógica do mundo on-line é brigar pelo seu tempo.
Em 2010, Nicholas Carr identificou uma mudança de comportamento quando escreveu o livro The Shallows - What the Internet Is Doing to Our Brains:
“Não era só que muitos dos meus hábitos e rotinas estavam mudando conforme eu me tornava mais acostumado e dependente dos sites e serviços da Internet. A própria maneira como meu cérebro funcionava parecia estar mudando. Foi então que comecei a me preocupar com minha incapacidade de prestar atenção a uma coisa por mais de alguns minutos.
(...)
No começo eu percebi que o problema era um sintoma de apodrecimento da mente na meia-idade. Mas meu cérebro, eu percebi, não estava apenas vagando. Ele estava com fome. Estava exigindo ser alimentado da maneira como a Net o alimentava – e quanto mais era alimentado, mais faminto ficava”
Para mim, o mais louco desse trecho é que ele foi escrito antes do lançamento do Instagram, por exemplo. Naquele momento do mundo, os smartphones ainda eram caros e menos comuns – apenas 23% das pessoas tinham esses aparelhos. Além disso, a velocidade média da internet era ⅙ do que é hoje.
Nos últimos 12 anos, melhorou não só a tecnologia, mas também a capacidade de empresas e criadores de gerar conteúdo com volume e qualidade. Em outras palavras: a tentação e a capacidade de sedução aumentaram exponencialmente.
Voltando à minha própria experiência, percebi que, se não atuasse de uma forma deliberada, ia ter dificuldade em mudar o hábito. Ler, estudar e escrever são parte fundamental do meu trabalho como consultor, escritor e palestrante. Portanto, minha preocupação (assim como meu estímulo) vai além da vontade de me manter atualizado.
Atento a isso, fiz nos últimos meses uma série de pequenas mudanças que têm dado certo para mim. Tenho me beneficiado e aplicado essas novas rotinas que me ajudaram nesse processo de aprendizado estruturado. Não por acaso, elas se baseiam no que escrevi no meu livro, mas fazia tempo que eu não tinha uma abordagem tão consciente para o meu próprio processo de aprendizado.
Estabeleci de maneira clara minhas intenções de aprendizado para o começo do ano
Os temas em que quero me aprofundar são muito diversos, ainda que relacionados entre si: Web3, NFT e aprendizado, liderança em tempo de trabalho híbrido e futuro do trabalho são alguns deles. Mas percebi que, sem objetivos claros, poderia ficar vagando por temáticas diferentes apenas de modo superficial. Por isso, defini para os próximos meses três assuntos específicos para guiar a minha jornada como aprendiz: cultura de aprendizagem e liderança no mundo híbrido, pensamento sistêmico e DAO+aprendizagem.
Separei os momentos de pesquisa, consumo e processamento.
Cada um dos temas possui uma infinidade de caminhos de aprendizado possível. São literalmente centenas de livros e artigos disponíveis para consumo. Por isso, estou dividindo o processo, como sugiro no meu livro. A pesquisa é o momento de busca e seleção do que você vai ver, ouvir ou com quem você vai falar. Estabelecida a lista, marco os momentos de cada um na agenda, sempre intercalando consumo e processamento. Isso vale tanto para conteúdo como para experimentações e pessoas+redes.
Tenho feito um planejamento semanal ou quinzenal
De acordo com o assunto, tenho definido um prazo para rever as fontes de aprendizado. No caso de temas com os quais tenho mais familiaridade, consigo fazer um planejamento mais longo. Caso contrário, preciso parar mais vezes para acrescentar as descobertas de fontes que ocorrem durante o próprio consumo. No fundo, o objetivo é reduzir a fricção (e a energia de ativação necessária) para sentar e começar a consumir o conteúdo ou outra fonte que predeterminei para o horário. O tempo todo mantenho a minha liberdade de ajustar horário ou trocar de material. Para mim, ter uma lista prontinha com um artigo por dia para ler, já com o link direto na agenda, ajuda muito na criação de hábitos. Minha sugestão é você identificar como pode tornar o "começar" o mais fácil possível.
Processamento é tão importante quanto consumo
O excesso de informação desafia nossa capacidade de guardar o que consumimos. A memória é parte fundamental do percurso de aprendizado. Por isso, tenho controlado minha vontade de ir ticando minha lista para investir tempo de qualidade fazendo pequenas anotações, estruturando apresentações ou mesmo conversando sobre as descobertas do processo. Eu priorizo a escrita à mão, como forma de impactar memória e organização do conhecimento ao mesmo tempo. Verifique o que faz mais sentido para você.
Autorregulação é tão importante quanto autodireção
O termo "aprendizado autodirigido" vem ganhando cada vez mais espaço. Isso é ótimo. Mas existe um outro processo vinculado ao aprendizado que é fundamental: a autorregulação. Basicamente, autorregular-se é parar de tempos em tempos para se escutar e analisar o que tem dado certo para você ou não. Dois aspectos importantes e correlacionados: você não tem um estilo de aprendizado único. Você tem preferências e hábitos, mas não existe qualquer evidência científica de que cada cérebro aprende melhor de uma maneira própria. Por isso, o normal é que você modifique a maneira como você aprende ao longo do tempo. O segredo é ficar atento a isso e ir ajustando seu percurso. Tenho feito isso quando quero ler, ouvir um audiolivro, escrever ou falar com alguém.
Uma última dica é buscar alternativas para o "quentinho" das redes sociais. Eu tenho encontrado o prazer da desconexão lendo ficção, por exemplo. E fujo de iPad ou celular para leitura. Tenho preferido o Kindle ou mesmo livros de papel. Assim, não corro o risco de cair na tentação da bolinha vermelha me provocando para ver quem gostou de um post qualquer. Estar presente e brincar com meus filhos também funciona com perfeição. E na maioria das vezes, papo, música e sua bebida preferida dão muito mais prazer do que saber qual cidade seus amigos viajaram no réveillon.
CEP+R
→ Conteúdo
Dicas de conteúdos, ferramentas e maneiras interessantes de integrar novos conhecimentos aos seus.
É impossível deixar de abrir qualquer página de um dos dois livros da Aline Bei e não achar que se trata de um livro de poesia. Ela tem um jeito próprio de colocar as palavras no papel, com parágrafos e frases curtos. Porém, ela não publica poesia, os dois livros dela são romances.
Terminei de ler o Peso do pássaro morto, o primeiro livro dela, publicado em 2017. Ele conta a vida e as angústias de uma mulher dos 8 aos 52 anos. Enredo e estilo maravilhoso. Essa é minha sugestão de conteúdo de janeiro.
A pequena coreografia do adeus, seu segundo livro, foi publicado ano passado e já está na minha lista.
Como falei acima, acho fundamental incluir a leitura de livros de ficção no nosso dia a dia. Nesses momentos de tantas promessas de “leitura de X livros por mês”, não se perca apenas em livros técnicos ou de negócios. Se você está sem ideias, um bom caminho é buscar perfis literários nas redes sociais. Esse artigo do Metrópoles apresenta a lista de 10 perfis.
→ Experiência
Caminhos interessantes para ganhar repertório e praticar o seu aprendizado.
Em 2018, fiz uma palestra no TedX sobre Presentismo. Em resumo, a ideia do tema é a de que, em vez de ficar namorando o futuro, faz mais sentido casar com o presente. Em praticamente todas as áreas, existem novas tecnologias, estratégias ou formas de trabalho que têm o potencial de mudar muito sua área (sim, estou evitando usar o termos “disrupção”…).
Eu tenho a impressão de que, no campo da aprendizagem de adultos, as DAOs (decentralized autonomous organizations ou organização autônomas descentralizadas) podem exercer um papel muito importante no sentido de propor um novo caminho para faculdades, treinamentos corporativos e outras iniciativas de educação formal.
Gosto de tecnologia, mas não tenho background de programação e vivi pouco o mundo do blockchain. Por isso, além de ler e compreender o que está acontecendo nesse novo mundo das DAOs educacionais, entrei em uma.
A experiência de navegar no Discord e participar de algumas dezenas de conversas está sendo fundamental para que eu tenha uma visão mais profunda e verdadeira da potencialidade dessa nova abordagem.
Meu convite é este: identifique alguma tecnologia que você acredita que vai mexer com a sua área de atuação e mergulhe um pouco nela. Mais do que ler dois artigos e ouvir um blog, tenha uma vivência real com ela. Pode ser uma ferramenta, método ou abordagem diferente. Você só vai entender de verdade como (ou se) essa nova tecnologia pode te ajudar se tiver um mínimo de vivência com ela.
Olha meu desenho!
Vivenciar a prática é a etapa mais importante de qualquer processo de desenvolvimento e, frequentemente, a menos experimentada. Por isso, a cada newsletter, vou mostrar o meu progresso nesse percurso de aprender a desenhar com a ajuda da minha esposa. A ideia é que sirva como um lembrete - para mim e para você - de que sempre somos capazes de aprender e melhorar, independente de qualquer habilidade inata.
No ano passado eu estava focado em aprender a desenhar de uma maneira mais tradicional e ampla. Passado alguns meses, entendi que eu quero desenhar para ajudar a me comunicar e pensar melhor. Por isso, estou indo para um caminho de desenhos ultrasimplificados, como doodles. Depois de assistir algumas aulas online e em DVD (!), estou num percurso desenhado por mim agora, com pequenos exercícios diários. Essa é uma página dos exercícios.
→ Pessoas + Redes
Como aprender e ampliar sua visão de mundo a partir de outros olhares.
A Maria Popova não é exatamente uma novidade. Para ser preciso, há 15 anos ela é reconhecida por realizar uma curadoria muito especial e publicar seus achados de uma forma única, sempre entrelaçados com seus próprios pensamentos e outros olhares.
“Se algo me interessa e é atemporal e oportuno, escrevo sobre isso. Muito do que é publicado online é conteúdo projetado para morrer em poucas horas, então encontro a maior parte do meu material offline. Gravito cada vez mais em torno de coisas históricas que são um tanto obscuras, mas atuais em sua sensibilidade e mensagem.”
É difícil dizer sobre o que ela escreve, então vou começar mencionando temas sobre os quais ela não escreve: marketing digital, liderança, empreendedorismo ou tendências. Aliás, o blog dela não é monetizado por qualquer anúncio ou assinatura.
Popova faz um convite para outros caminhos. Para ela , suas publicações são o resultado de um “trabalho de amor, explorando o que significa viver uma vida decente, inspirada e substantiva de propósito e alegria”
E não, não estamos falando de autoajuda, mas sim de um convite a um olhar mais profundo e belo para o mundo.
Ao longo desses anos, essa escritora búlgara é quase uma unanimidade. Foi reconhecida por revistas como Fast Company, The Atlantic e Wired, além de ter escrito um best-seller do NYTimes, o Figuring.
Nesse momento em que é tão difícil escolher como utilizar nosso tempo consumindo conteúdo, ela é uma fonte fixa minha. Você pode segui-la no Twitter, Instagram ou até no Facebook. Mas, sem dúvida, a melhor maneira de saborear é assinando a newsletter semanal do The Marginalian, seu blog cultural que fez sucesso com o nome “Brain Pickings” mas que foi renomeado recentemente.
PS: Achei algumas coisas em português dela, como esse texto no Papo de Homem. Fiz o teste com a tradução do blog dela no Chrome e, como tenho dito, a qualidade é incrível.
A Lifelong Learners foi criada por mim, com edição de Mariana Jatahy e design de Katherine De Franco.
Se você conhece alguém que possa se interessar, compartilhe.
Conrado, parabéns pela sua atitude em criar uma Newsletter, o que obviamente ajudará muito dos seus seguidores neste processo de aprendizagem. Abraços