Lifelong learners #4 - Ninguém desenvolve ninguém.
Uma publicação mensal com reflexões derivadas do meu livro 'Lifelong learners – o poder do aprendizado contínuo'.
Esta newsletter é um projeto que teve início nos primeiros meses do ano passado e tem como objetivo compartilhar, de maneira (mais ou menos) estruturada, algumas coisas legais que encontro em meu caminho de aprendiz.
A newsletter está dividida em duas partes: um artigo maior no início e depois uma seção chamada CEP+R, com referências interessantes para o seu aprendizado.
Espero que você se divirta.
Precisamos parar de pedir para os gestores desenvolverem pessoas.
Mais da metade do dinheiro investido em treinamento por grandes empresas é destinado ao desenvolvimento de líderes. E o foco de grande parte desses programas está em temas vinculados à "gestão de pessoas".
Isso acontece porque, nos times de RH, existe a crença generalizada de que o principal problema da liderança é a falta dessa competência, ou seja, a incapacidade de desenvolver pessoas (seja lá o que isso queira dizer...).
Pra piorar, existe ainda uma outra crença: a de que a melhor forma de fazer isso seria por meio de feedback. Já digo há algum tempo (como nesse texto) que estamos colocando uma expectativa descabida nessa prática. É claro que é importante criar um canal de comunicação claro e constante sobre carreira, entregas e performance, mas me parece que estamos exagerando um pouco no poder que atribuímos aos encontros de feedback.
Meu ponto de partida é simples: ninguém desenvolve ninguém.
O aprendizado adulto é, em essência, autônomo e autodirigido. Colocar na liderança a responsabilidade de conduzir o processo de crescimento profissional e/ou pessoal de alguém é dar continuidade a um longo ciclo de heterodireção, que começa no ambiente escolar e continua em cursos técnicos e universidades, sejam elas corporativas ou não.
O papel de gestores deve ser o de retirar obstáculos e criar estímulos para que o aprendizado ocorra de maneira fluida, coletiva e autônoma.
Isso não quer dizer que a pessoa do time com maior responsabilidade não tenha um papel importante na criação da cultura de aprendizagem da empresa. Muito pelo contrário. Inúmeras pesquisas demonstram que gestores são os principais alavancadores de uma ambiente em que o desenvolvimento contínuo ocorre de maneira orgânica.
Então quais atitudes e comportamentos da liderança apoiam um ambiente de troca e crescimento constante?
Com base em pesquisas e em projetos aplicados, proponho alguns pontos que são, ao mesmo tempo, consistentes, simples e aplicáveis.
1. Ressignificar o que é aprendizado
Vincular aprendizado exclusivamente a ações formais de treinamento não é um erro cometido apenas por gestores. Essa é a visão da maioria das pessoas. Portanto, um bom caminho para começar a estimular o lifelong learning nos times é apoiar os líderes na construção de uma nova visão sobre o significado e o papel do aprender na organização.
É fundamental deixar claro que as ações estruturadas de educação corporativa são uma parte importante do desenvolvimento. Mas apenas isso. Uma parte. E elas só funcionam quando há aplicação do aprendizado no dia a dia. Sem transferência de conhecimento para a prática, o conteúdo do treinamento é esquecido em algumas semanas.
Para o grupo, é essencial que o aprendizado seja percebido de uma maneira mais ampla. Ele deve ser o principal aliado da capacidade de criação e entrega da área. Aprender é algo que fazemos todos os dias, só que com nomes diferentes.
Não há solução de problemas sem aprendizado.
Não há inovação sem aprendizado.
Não há encantamento de clientes sem aprendizado.
Não há engajamento do time sem aprendizado.
Não há mudança e adaptação sem aprendizado.
Portanto, quando falamos do "aprender", estamos falando do dia a dia de cada negócio. Quando o líder compreende isso, passa a reconhecer o investimento de tempo em aprendizado e reflexão como algo básico. Como ouvi de uma gestora da Renner: "Se aprender está diretamente relacionado à performance, estou honrando meu salário se paro duas ou três horas por semana para estudar".
2. Confiar no time / Criar um ambiente de confiança
Para a tristeza de quem ainda acredita em comando e controle, o aprendizado acontece longe dos nossos domínios. A tentativa de fiscalizar o passo a passo do desenvolvimento de cada membro do time mais atrapalha do que ajuda.
Em primeiro lugar, porque mina a autonomia, um elemento absolutamente fundamental para a motivação humana. Além disso, direcionar e monitorar cada passo do time cria um ambiente de desconfiança. Essa situação tem crescido muito com o trabalho híbrido: como saber se a pessoa está realmente aprendendo e cumprindo os passos que combinamos para o seu desenvolvimento?
Entre outras coisas, a falta de confiança é um grande detrator do aprendizado. Em um artigo direcionado a essa tese, John Hagel nos esclarece – sempre de maneira brilhante – o que está acontecendo atualmente:
O desafio que enfrentamos é que a erosão da confiança está minando nossa capacidade de aprender e, em um mundo de mudanças aceleradas, a capacidade de aprender será a chave para o sucesso.
Reunir-se em uma busca para criar novos conhecimentos requer confiança. Essa forma de aprendizado requer uma confiança muito mais profunda do que o aprendizado mais convencional na forma de programas de treinamento.
Se você, como líder, não consegue confiar no seu time, compreenda se o problema está em você ou nos outros. Não aceite trabalhar com pessoas não confiáveis. E verifique o quanto sua necessidade de comando e controle pode estar causando mais insegurança do que desconfiança.
De qualquer forma, não tenha dúvida: o aprendizado dos outros acontece sempre quando não estamos olhando.
3. Hackear as iniciativas formais de desenvolvimento da sua empresa
Meu trabalho na nōvi é acompanhar grandes organizações no processo de reinvenção de suas culturas de aprendizagem. Trabalho junto a empresas e pessoas extremamente ousadas e corajosas. É a partir dessa perspectiva que digo: as mudanças nas práticas de gestão de talentos ocorrerão de maneira mais lenta do que gostaríamos.
Nesse sentido, um convite é aproveitar o que já existe, propondo novos usos para as iniciativas de desenvolvimento que são levadas a cabo hoje nas organizações.
Por exemplo, se sua empresa tem reuniões formais de feedback a cada ano ou semestre, adote sua própria agenda de encontros mensais ou bimensais para conversar com seu time e entender como tudo está indo.
Nos treinamentos oferecidos, identifique com seu time os temas que fazem mais sentido para o grupo e dê continuidade ao processo iniciado no ambiente formal. Encontros voltados para a aplicação do aprendizado em projetos reais, por exemplo, costumam ser uma ótima iniciativa.
E mesmo o PDI, essa ideia tão boa e mal executada, como eu e o Alex Bretas escrevemos, pode ser transformada em sprints de desenvolvimentos quinzenais realizados coletivamente.
Finalmente, crie seus próprios rituais de aprendizado no dia a dia do time. Os checkout de desenvolvimento são sempre uma possibilidade – você pode transformar o final de uma reunião num papo em que cada um fala sobre o que aprendeu na semana, por exemplo, ou mesmo destinar momentos mensais a uma conversa sobre os grandes aprendizados do período, como os learning moments da WD40.
Em nossas pesquisas nos projetos de Cultura de Aprendizagem, o maior desafio relatado pelos aprendizes é a falta de tempo. Proteger a agenda do time talvez seja a mais importante iniciativa de um líder.
4. Entender-se como mais um do time.
Com a discussão de modelos organizacionais menos hierárquicos, é natural que o papel dos gestores também esteja sendo debatido . Na minha visão, a estrutura organizacional tradicional, hierárquica, ainda estará presente por um bom período de tempo, especialmente em empresas de grande porte.
Contudo, ter um salário melhor, uma mesa maior e/ou poder participar da tomada de grandes decisões organizacionais não te fazem alguém superior, capaz de indicar caminhos para as outras pessoas.
Humildade é a base de todo lifelong learner.
Adoro a história do executivo Risto Siilasmaa. Quando ainda era CEO da Nokia, ele começou a perceber o potencial e o risco da inteligência artificial para o negócio. Ele começou a se incomodar com a falta de conhecimento da empresa sobre o tema até perceber que ele poderia dar o primeiro passo:
"Percebi que, como CEO e presidente de longa data, caí na armadilha de ser definido pelo meu papel: me acostumei a ter as coisas explicadas para mim. Em vez de tentar descobrir os detalhes de uma tecnologia aparentemente complicada, eu me acostumei com outra pessoa fazendo o trabalho pesado.
Por que não estudar o aprendizado de máquina sozinho e depois explicar o que aprendi para outras pessoas que estavam lutando com as mesmas perguntas?"
Então, se há uma coisa para começar a fazer hoje, é dar o exemplo e dividir com seu time seu entusiasmo, dedicação e prazer pelo aprendizado. Isso, além de ser fundamental para a sua vida, pode ser ótimo para o seu time.
Vivemos um período em que muitas empresas começam a ter dificuldades para trazer os talentos que precisam para se manter competitivas. A Grande Demissão, ou the Great Resignation, começa a se mostrar verdadeira à medida que as empresas exigem o retorno ao escritório.
O aprendizado pode ser parte importante desse processo. Termino este texto com um parágrafo da Erica Ariel Fox, na Forbes:
"Permitir que os funcionários tenham autonomia para decidir sobre seu plano de desenvolvimento de (auto)aprendizagem cria uma atmosfera aberta de apoio e cuidado genuíno com o progresso de seus funcionários. (...)
O que os trabalhadores do conhecimento querem?
Resposta: Eles querem aprender mais, não apenas ganhar mais"
Comece a experimentar esse novo caminho o quanto antes.
Não se esqueça, o espaço de aprendizagem aproxima, mostra vulnerabilidades, convida para pensar o futuro, elementos essenciais para o ambiente atual.
CEP+R
→ Conteúdo
Dicas de conteúdos, ferramentas e maneiras interessantes de integrar novos conhecimentos aos seus.
Sou um apaixonado por graphic novels, que muitos chamam de histórias em quadrinhos para adultos. Na verdade, o amor é antigo. Uma parte importante na minha alfabetização (para as letras e para o humor) deve-se ao Quino, criador de Mafalda e a Albert Uderzo e René Goscinny, gênios que deram vida a Obelix e Asterix.
Há uns 10 anos me reaproximei desse gênero, especialmente com romances mais densos. Me encanta como a simplicidade do traço pode falar, muitas vezes, tão bem quanto diversos parágrafos lindamente escritos. Foi impossível não me emocionar com a vida de Marjane Satrapi em Persépolis, o ponto de partida de muitos apaixonados pelo gênero, como eu.
Minha dica neste newsletter são os dois exemplares do livro Sapiens que foram publicados em quadrinhos. O livro é um bestseller global de leitura densa. Portanto, é um presente que Yuval Harari ofereceu a tantos outros leitores com a possibilidade de consumir suas ideias por esse outro caminho.
Se você se interessou, minha única dica é não comparar um formato com o outro. São experiências complementares, igualmente prazerosas e impactantes.
→ Experiência
Caminhos interessantes para ganhar repertório e praticar o seu aprendizado.
Eu adoro arte moderna e contemporânea. Não sou um grande especialista, mas adoro me surpreender com instalações e obras que conversam com a gente por um canal menos estruturado e mais emocional/experimental.
Por isso, minha sugestão é seguir no Instagram alguns perfis que oferecem esse olhar provocativo que o século XX e XXI emprestou para as artes plásticas: @culturainquieta, @beninmadrid, @bienalsaopaulo, @atravesartbr e @kaondesign.
Meu convite é para um olhar contemplativo, sem precisar gostar ou não gostar, entender ou não entender cada obra. Apenas deixe-se provocar.
→ Pessoas + Redes
Como aprender e ampliar sua visão de mundo a partir de outros olhares.
Finalmente, minha dica de pessoas e redes é a L&D Shakers, comunidade de prática criada por Anamaria Dorgo para reunir profissionais de Treinamento & Desenvolvimento do mundo todo.
Anamaria, facilitadora, designer de experiências de aprendizagem e gestora de comunidades, estará conosco na segunda edição do CTRL > CLTR, o festival de cultura de aprendizagem realizado anualmente pela nōvi. Neste ano, o evento acontecerá nos dias 31 de março e 1º de abril, das 9h às 13h, de forma 100% on-line e gratuita.
A Lifelong Learners foi criada por mim, com edição de Mariana Jatahy e Alexandre Caetano, e design de Katherine De Franco.
Se você conhece alguém que possa se interessar, compartilhe.
sempre ótimo suas provocações, reflexões e dicas!