Lifelong learners #5 - Driblando a gula conteudística
Uma publicação mensal com reflexões derivadas do meu livro 'Lifelong learners – o poder do aprendizado contínuo'.
Esta newsletter é um projeto que teve início nos primeiros meses do ano passado e tem como objetivo compartilhar, de maneira (mais ou menos) estruturada, algumas coisas legais que encontro em meu caminho de aprendiz.
A newsletter está dividida em duas partes: um artigo maior no início e depois uma seção chamada CEP+R, com referências interessantes para o seu aprendizado.
Espero que você se divirta.
Tem mais ou menos dois meses que voltei do SXSW, evento que acontece todo ano em Austin, no Texas, reunindo as maiores mentes criativas do mundo para falar de temas como arte, tecnologia e negócios. Foi minha segunda vez indo e a experiência continua sendo fantástica: o evento possui todos os elementos do aprendizado lifewide que tanto admiro e incentivo, como conteúdos que expandem nosso olhar, experiências memoráveis e pessoas interessantes e provocadoras.
Recentemente, sentei e investi algumas horas revendo as anotações, fotos de slides e links que registrei ao longo dos 8 dias em que estive por lá. Como o volume de conteúdo é enorme, devo confessar que muito do que estava escrito eu nem me lembrava. Frases, livros e cases que tanto me encantaram no momento das palestras já haviam sido transferidos para o arquivo morto do meu cérebro. E, pior, sem que eu pudesse ao menos entender por que adicionei três pontos de exclamação enormes ao lado de certas frases.
Eu adoraria poder falar que essa revisitação a conteúdo de eventos, podcasts ou livros é uma prática que faço sempre. Mas não, esse movimento de separar um tempo para revisitar e refletir sobre minhas anotações ainda não faz parte das minhas estratégias de aprendizado consolidadas. E, justamente por acreditar que ele seja fundamental, resolvi parar para pensar e entender por que ainda não criei esse hábito. Acredito ainda que isso tem a ver com a quantidade de conteúdo disponível hoje e a ânsia generalizada de consumir a maior quantidade de informação possível.
Vivemos em um momento como sociedade em que nossa capacidade de gerar novos conteúdos se tornou muito maior do que nossa capacidade de absorvê-los. Como consequência, nos sentimos constantemente cansados, frustrados e até paralisados. Outro efeito colateral da “infoxicação” – menos óbvio, mas não menos nocivo – é a falsa sensação de que estamos aprendendo.
Tortel Klingberg, pesquisador sueco que escreveu um livro sobre nossa capacidade cerebral, esclarece esse fenômeno. No primeiro capítulo do livro The Overflow Brain, ele apresenta a seguinte tese:
À medida que os avanços na tecnologia da informação e na comunicação nos fornecem informações em um ritmo cada vez mais acelerado, as limitações de nossos cérebros se tornam ainda mais óbvias. Os limites não são mais definidos pela tecnologia, mas pela nossa própria biologia.
(Aliás, o título do capítulo já é bem sugestivo: "Introdução: o cérebro da Idade da Pedra encontra o transbordamento de informações").
Por trás dessa "gula conteudística" estão diversos gatilhos sociais e psicológicos: desde a inveja de um amigo ou concorrente postando a respeito de algo que achamos que deveríamos saber até o receio de não conseguir conversar sobre os temas da moda. Já pensou se alguém pede sua opinião sobre NFTs ou metaverso?
Estamos com cada vez mais dificuldade de lidar com a incerteza e a complexidade. Um sintoma dessa situação é a demanda crescente por produtos mais palatáveis, de assimilação rápida: livros inteiros perdem preferência para resumos duvidosos, debates longos e complexos são condensados em podcasts de 5 minutos.
Estamos criando teorias a partir de conceitos que nem foram definidos ainda. Parece que definições rasas, que param mais ou menos de pé, já são suficientes para satisfazer nossa gula por novidade e nos encaminhar para o próximo tema da vez.
Na contramão de tudo isso, o processo de aprendizagem não apenas permite, mas se beneficia da dúvida, do questionamento e da reflexão. É impossível dominar totalmente qualquer tema e é ainda mais difícil fazer isso tentando pegar atalhos. Aprender dá trabalho.
Quando parei para ler minhas anotações, tive a sensação de que o Conrado que estava tão inspirado pelos aprendizados do SXSW fazia um convite ao Conrado de hoje: dedique um tempo saboreando, se aprofundando e refletindo um pouco mais sobre alguns assuntos. E fique tranquilo em deixar outros para depois.
Aceitei o chamado e é isso que tenho feito nas últimas semanas. Tem sido muito bom e me gerado bons insights:
Constância > Velocidade
Tenho o hábito de ler um texto curto por dia. Como falei aqui, uso o pocket, um app que me ajuda a organizar o conteúdo que encontro on-line e que também estima o tempo de leitura. Raramente um artigo demora mais do que 10 minutos, mas o que eu faço é ir além do consumo do conteúdo. Para metade deles – aqueles que sinto que realmente valem a pena – faço um pequeníssimo resumo no meu commonplace book . Tenha em mente que, em aprendizagem, constância é mais importante do que velocidade.
Aceitar a não compreensão momentânea
Quando começamos a aprender algo novo, muitas vezes ficamos na ânsia de tentar entender tudo. Meu aprendizado nesse sentido foi: está tudo bem não entender. O importante é não deixar de tentar. Muitas vezes, o processo de compreensão de algo não está no conteúdo, e sim na busca dos outros elementos do CEP+R: viver experiências, falar com pessoas ou buscar uma rede que te apoie a fazer isso.
Você não precisa ter opinião para tudo.
Muitas vezes, afastar-se e observar o desenvolvimento e consolidação de tecnologias, conceitos ou inovações ao longo do tempo pode ser uma boa estratégia de "aprendizagem não afobada". Por exemplo, duas coisas que ficaram muito claras para mim ao longo do SXSW foram: não existe uma definição universal para metaverso – segundo Scott Galloway, a melhor coisa é considerá-lo um termo guarda-chuva para uma série de potencialidades – e ainda não sabemos qual será o real uso das NFTs. Por isso, não acredito ser possível ou necessário emitir opiniões positivas ou negativas a respeito. Vou acompanhando a evolução e aprendendo com o processo.
Portanto, antes de buscar o próximo artigo ou livro, talvez valha a pena voltar e olhar para onde você esteve e o que você consumiu de conteúdo. Investir tempo refletindo e escrevendo pode ser mais importante e proveitoso do que correr para ouvir o próximo podcast. E lembre-se, prazer é um importante indicador do seu processo de aprendizagem.
CEP+R
→ Conteúdo
Dicas de conteúdos, ferramentas e maneiras interessantes de integrar novos conhecimentos aos seus.
Originalmente, pensei em sugerir que você não consumisse nenhum conteúdo novo esse mês, e sim que investisse tempo relendo anotações, resumos ou simplesmente olhando os trechos sublinhados em livros antigos. Eu continuo recomendando isso. Mas...numa dessas sincronicidades maravilhosas que a vida nos oferece, estava procurando algum vídeo na academia enquanto pedalava e me deparei com um TEDx Talk do Chris Bailey. Nele, ele conta como uma redução radical de consumo de conteúdo fez bem para o seu cérebro. Me gerou ótimas reflexões.
→ Experiência
Caminhos interessantes para ganhar repertório e praticar o seu aprendizado.
Desenvolvido pela empresa de curadoria de conhecimento Inesplorato, o "Nade Contra a Maré" é um manual que ajuda leitores a refletir criticamente sobre aquilo que estão lendo, auxiliando na compreensão das mensagens trazidas por cada obra e na aplicação desses aprendizados no dia a dia. Um excelente antídoto pra “gula conteudística” que mencionei anteriormente.
→ Pessoas + Redes
Como aprender e ampliar sua visão de mundo a partir de outros olhares.
Além de fazer parte da comunidade da nōvi, a Carol Messias desenvolve um trabalho super bacana de Comunicação Autoral e curadoria, ajudando pessoas e empresas a investigarem seu próprio repertório, organizarem seu conhecimento e, então, colocá-lo a serviço dos projetos que querem ver no mundo. Vale acompanhar a conta dela no Instagram, onde ela compartilha reflexões e dicas valiosas sobre curadoria de conhecimento.
Lifelong Learners foi criada por mim, com edição de Mariana Jatahy e Alexandre Caetano, e design de Fernanda Morgan.
Se você conhece alguém que possa se interessar, compartilhe.
Seu texto aliviou um pouco minha ansiedade de abarcar tantos conteúdos e me lembrou que sem reflexão a aprendizagem fica rasa. Obrigada
Excelente. Eu sempre me pego em conflito tentando conciliar essa "necessidade" de consumo de conteúdo imposta pelos padrões atuais com o meu desejo por relfexões mais profundas e aprendizagem. Aos trancos e barrancos, venho aprendendo a "deixar ir" a ansiedade para conservar o foco no que realmente importa.