Lifelong learners #7 - Um novo olhar
Tornar-se o que se é me parece ser o grande desafio do aprendizado ao longo da vida.
Esta newsletter é um projeto que teve início nos primeiros meses do ano passado e tem como objetivo compartilhar, de maneira (mais ou menos) estruturada, algumas coisas legais que encontro em meu caminho de aprendiz.
A newsletter está dividida em duas partes: um artigo maior no início e depois uma seção chamada CEP+R, com referências interessantes para o seu aprendizado.
Espero que você se divirta.
"Aprender é explicitar o conhecimento por meio de uma performance melhorada".
Sem dúvida, essa frase é um dos slides mais fotografados em todas as minhas palestras. No kindle, também faz parte dos maiores destaques dos leitores. Claro que ela tem um papel especial na minha carreira e por isso também a repeti muitas vezes desde que a formulei, mas recentemente ela tem me gerado um incômodo.
Durante um tempo, era quase automático usar essa frase no meu dia a dia, e aos poucos ficou muito claro que conceituar aprendizado dessa forma era algo impactante e útil para as pessoas. Ela refuta o argumento do aprendizado como um processo unidirecional, de alguém que sabe mais para alguém que sabe menos. Como colocada, a definição inclui a construção de uma visão mais ampla do processo, estendendo-o para além da aquisição de conteúdo, etapa que, embora seja parte importante do processo, não é o objetivo final.
Contudo, já há alguns anos tenho me questionado sobre essa definição. Comecei a observar naquela frase um certo excesso de pragmatismo para explicar um fenômeno tão complexo quanto o aprendizado.
A simplicidade da definição, por um lado, garante sua fácil compreensão e aceitação. E isso, por si só, é muito positivo, uma vez que permite que mais pessoas ampliem seu olhar para toda a potencialidade do aprender. Por outro, ela omite um tipo de aprendizado que é tão relevante quanto a performance explicitada: a mudança de percepção sobre como nos percebemos, interpretamos e julgamos o ambiente em que vivemos e com quem convivemos.
No livro, eu já ampliei um pouco a definição original. Acrescentei: "Aprendemos quando passamos por um processo que nos permite realizar algo de maneira melhor ou diferente do que fazíamos antes, seja pela aquisição de uma nova habilidade ou pela mudança de nossa visão de mundo" (grifo meu).
Esse texto já estava escrito no livro, há mais de um ano publicado. Mas ainda não estava escrito em mim. Custei a assumir que a definição original, tão simples e disseminada, havia mudado na minha cabeça. Talvez um receio de parecer inconsistente, leviano por mudar de ideia ou medo de a nova definição impactar menos as pessoas, perder o interesse delas no assunto.
Mas o que me chamou mais a atenção foi o fato de eu me pegar questionando se a mudança era um sinal de fraqueza meu. Propor uma nova versão seria quase uma demonstração de falta de solidez conceitual minha.
Estava nesse dilema até que a serendipidade agiu. Aquela descoberta inesperada que tem potencial de causar grandes mudanças. A serendipidade me levou a Nietzsche. Estava ouvindo o podcast do Papo de segunda com a Zezé Mota, em um domingo de manhã, quando o Chico Bosco mencionou o filósofo durante seu comentário sobre o longa brasileiro Marte Um (2022). Ele falou sobre "como se tornar o que se é", um questionamento filosófico importante que foi objeto de reflexão do pensador alemão.
Ainda não entendi o porquê, mas essa frase me pegou. Parei o podcast e fui para o Google pesquisar um pouco mais. Filosofia não é uma área de domínio e exatamente por isso me empolguei em conhecer um pouco mais da obra de Nietzsche.
Entrei numa espiral de aprendizagem e estou nela até hoje. Ainda bem.
Um dos primeiros textos que vi foi o do professor Wanderley Ferreira Jr, chamado "Nietzsche, o caminho para se tornar o que se é". O interesse pelo tema é simples: tornar-se o que se é me parece ser o grande desafio do aprendizado ao longo da vida.
A leitura não é fácil, mas é encantadora. Ela me abriu a mente e o coração para a maneira quase agressiva com que Nietzsche provoca o modelo educacional clássico.
Especificamente, um parágrafo chacoalhou minha cabeça:
Na chamada sociedade do conhecimento repete-se como um mantra a necessidade da educação continuada e permanente, que infelizmente visa mais adaptar o indivíduo às necessidades do deus mercado, em vez de humanizá-lo no sentido de sua maior autonomia no pensar, no fazer e no agir com senso de responsabilidade social. As pedagogias do aprender a aprender subjacentes à sociedade do conhecimento consideram que a educação deva preparar os indivíduos para se adaptarem a uma sociedade em acelerado processo de mudança. O objetivo é formar nos indivíduos as competências necessárias visando sua melhor adaptação ao sistema para se tornarem eficientes servidores do Estado e do mercado. (Ferreira Jr, 2017, p. 137)
O autor questiona de maneira brilhante não só a essência da definição de aprendizagem que proponho, mas boa parte da lógica do aprendizado ao longo da vida e do aprendizado autodirigido, tão importantes na minha prática e visão de mundo. E isso não me incomodou: fiquei encantado com o convite para um novo olhar para o papel da aprendizagem. De alguma forma complementar ao que penso e ainda mais questionador e sofisticado em relação ao meu ponto de partida.
Ainda estou no mergulho do consumo de livros, cursos e conversas sobre Nietzsche. E parece que não vou acabar tão cedo. Mas o parágrafo acima foi o que precisava para oficializar uma nova definição do que é aprendizado para mim.
Aprender é explicitar o conhecimento por meio de uma performance melhorada ou por meio de uma mudança de mundo ou de si mesmo.
O próprio estudo de filosofia é um exemplo de como essa definição ampliada se encaixa em um olhar de aprendizado mais profundo. E a gente pode levar essa profundidade de olhar para outros temas considerados mais "pragmáticos", por serem mais aplicados ao dia a dia do trabalho, como transformação digital e inteligência artificial. Como? Por exemplo: antes de sair aplicando métodos ágeis por ser a tendência do momento, adquirir novas tecnologias ou tomar grandes decisões estratégicas com base nas promessas de otimização de resultados, é fundamental compreender como o mundo está sendo impactado por essas inovações.
Ao utilizar mais a nova definição - em reuniões, projetos e palestras -, acredito ter incluído a importância de mudanças ainda mais profundas para realizar o lifelong learning: sermos capazes de nos tornarmos quem realmente queremos ser.
CEP+R
→ Conteúdo
Dicas de conteúdos, ferramentas e maneiras interessantes de integrar novos conhecimentos aos seus.
Um dos conteúdos já está no texto, que é o artigo do professor Wanderley Ferreira Junior. Mas faço um outro convite: procure algum artigo ou matéria que tenha um ponto de vista que lhe é estranho e tente fazer a leitura com a cabeça e coração abertos, sem a defesa da guarda que o ego insiste em nos propor. Vivemos em um momento de mundo com muita polarização. A falta de diversidade cognitiva pode estar nos levando a um aprendizado sem curiosidade, profundidade e descobertas.
→ Experiência
Caminhos interessantes para ganhar repertório e praticar o seu aprendizado.
Fui para o festival SXSW agora em março, um evento de inovação, tecnologia e cultura que acontece anualmente nos EUA. Vou escrever sobre o evento, mas meu ponto principal é que, embora seja um congresso com palestras, workshops e painéis, as experiências existentes se sobrepõem ao conteúdo. Além das performances, casas de divulgação de marcas e shows, o festival tem uma trilha específica sobre realidades aumentadas, ou XR. E isso me fez perceber uma coisa: a baixa familiaridade que a maior parte de nós tem com os óculos de realidade virtual, que já nem são uma tecnologia nova. Conheço mais pessoas que se enjoaram em uma montanha-russa virtual do que se emocionaram com um documentário super realista.
Meu convite é para você dar uma segunda chance para essa tecnologia. É cada vez mais barato você comprar em adaptador de VR para o seu celular ou, se possível, pedir emprestado um device completo mesmo. Um ponto de partida simples pode ser o Youtube VR, que começa com um tutorial sobre como usar a tecnologia na plataforma. E Mixed é uma revista online sobre realidades mistas. Esta página tem uma lista incrível de documentários.
→ Pessoas + Redes
Como aprender e ampliar sua visão de mundo a partir de outros olhares.
O Luiz Sérgio é uma figura única. Ele se apresenta como um Educador PhD (pessoa humilde e dedicada) em aprendizagem. Uma nova voz nessa busca por modelos de aprendizagem e educação que vão além do padrão conteudista. A história dele começou com uma negociação familiar para pesquisar novos caminhos de aprendizagem ainda durante o ensino médio, época em que se embrenhou pelo mundo com uma potência bonita de se ver. Ele tem nos ajudado a fazer coisas maravilhosas aqui na nōvi, além de estar em mais umas 8 iniciativas em paralelo. Vale acompanhar todas.
Lifelong Learners foi criada por mim, com edição de Carolina Messias e Alexandre Caetano, e design de Katherine De Franco.
Se você conhece alguém que possa se interessar, compartilhe.
"Tornar-se o que se é"... Falou e disse, Conrado!